quinta-feira, 4 de março de 2010

Tempo de transfigurar-se ...

O tempo litúrgico da Quaresma é convite diário a preparar-se para a Páscoa do Senhor. É tempo de graça e salvação, propício para sair de nós mesmos, removendo tudo o que impede e retarda nossa transfiguração e conformação ao corpo glorioso de Cristo (cf. Fl 3, 21), pois o ideal de nossa transfiguração é Cristo.

Dias antes, Jesus havia dito a seus discípulos: “É necessário o Filho do Homem sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia, ressuscitar” (Lc 9, 22). Agora, transfigurado, antecipa a glória de sua ressurreição.

Ao transfigurar-se, isto é, ao mudar de figura diante dos privilegiados discípulos, os mesmos que haviam presenciado a ressurreição da filha de Jairo (cf. Mc 5, 37), e que haveriam de ser as testemunhas da hora mais amarga e dolorosa de Jesus no Getsêmani (Mt 26, 36-46), Jesus confirma sua promessa de vida e de ressurreição.

Transparece no alto da montanha aos olhos de Pedro, Tiago e João o rosto glorioso que o Filho tinha no seio do Pai. Aos três amados discípulos foi concedida a graça de contemplar a divindade que em Cristo se escondia. Momento inefável e indescritível para eles poderem tocar com a fé e o coração os traços do rosto humano de Cristo transfigurado! Tão inefável que levou Pedro a dizer: “Mestre, é bom estarmos aqui” (Lc 9, 33). De fato, a transfiguração é um mistério de felicidade divina. Toda a fluência de alegria que jorra entre Pai e Filho e que é o próprio Espírito Santo, “transbordou” naquela ocasião do vaso da humanidade de Cristo.

A transfiguração é garantia de que, para além do que se vê, para além do sofrimento, do pecado, do mal e da morte, há um mistério de luz mais forte que o mal que se vê e se experimenta.

Para viver nosso peregrinar neste vale de lágrimas, não como frustrados ou desesperançados, mas com a certeza de chegarmos à Terra Prometida, é necessário transfigurar-nos e descobrir o eterno escondido no cotidiano de cada ação.

A transfiguração revela o nosso destino: fomos feitos para contemplar a face de Deus. Cada um de nós traz em seu íntimo o desejo ardente de ver a Deus e sua glória: “Mostra-me a tua glória!” (Ex 33, 18); “Buscai minha face” (Sl 27, 8); “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta” (Jo 14, 8).

A transfiguração é um efeito direto da oração de Jesus, dialogando com o Pai, livre e amorosamente. Jesus “subiu à montanha para orar. Enquanto orava, seu rosto mudou de aparência” (Lc 9, 29). Orar é subir à montanha. A oração transfigura. Como vivência de fé, a oração dá às coisas e à vida o sentido pleno. Quem reza descobre novos caminhos, aclara dúvidas, elimina incertezas. Ajoelhados, vemos melhor. Também nós somos convidados a subir à montanha da oração, lugar de encontro e diálogo com Deus. A oração eleva nossa alma e introduz-nos na vida trinitária. Se a contemplação de Cristo tem por finalidade “transformar-nos naquele que contemplamos” - se também nós somos chamados a “transfigurar-nos” - , então a oração é o melhor caminho para consegui-lo. Se não é possível estar sempre no alto da montanha para orar, é possível... trazê-la para perto. Trazer uma montanha para dentro de nós não é ficção mental, pois “o Reino de Deus está dentro de nós”.

A nossa transfiguração acontece na fé. A fé é a luz que reveste de um brilho novo o rosto das coisas e da vida. Dá a tudo aquilo em que toca a divina transparência que a realidade espessa detém e oculta. Mas a fé que transfigura, rompe da nuvem de sinais e testemunhos, onde é preciso entrar de joelhos. De lá vem a voz que nos confirma e desperta para a caminhada decisiva. É preciso “escutar o Filho, o Eleito” (cf. Lc 9, 35), para conhecê-Lo cada vez mais para mais amá-Lo e mais segui-Lo.

Na medida em que contemplamos o mistério da transfiguração de Cristo, mais e mais nos tornamos semelhantes a Ele, mais conformamos a Ele nosso jeito de ser, de sentir e de amar.
Descendo da montanha da transfiguração, retomemos o caminho de cada dia; sejamos capazes de transmitir paz e serenidade aos que peregrinam rumo à Páscoa definitiva.

Jesus convida-nos a caminhar com Ele para a Páscoa. Sentimos o peso de nossos pecados, mas Ele pode vencer a dureza de nosso coração com seu olhar misericordioso. Enfim, rezemos: “Fazei-nos, Senhor, reviver a graça do Batismo que em Vós nos transfigurou. Assim, nosso coração transfigurado será agradável ao Pai e dom de amor aos irmãos e irmãs. Vossa graça renove todos os seres humanos, e todos sejam unidos à vossa oblação pascal, para alegria e glória do Pai”.

Dom Nelson Westrupp

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